- Domingo, 25
de Abril de 2010
- Folha de São
Paulo - Ilustrada
- Mônica
Bergamo
-
Com shows no Bar Brahma até julho,
Guilherme
Arantes diz que errou ao
cantar para 'a grã-finada', chora ao falar de
novos cantores e ri quando lembra de paixões
como Elis Regina e Rita Lee.
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Por
Marcus Preto.
Chorar em público nunca foi problema para Guilherme
Arantes. "Fui crucificado nos anos 80 por ser doce,
e ter raiz romântica. Rasgava o peito e me chamavam
de brega. Mas o mundo precisa dos angustiados. A
nova geração traz de volta a doçura perdida na
cocaína dos anos 80. Eu ia ver os Titãs e só tinha
homem de preto gritando "ô, ô, ô, ô". Pensava: "Que
é isso? Hitler venceu?"."
Caminhando pela rua Santa Efigênia, perto do Bar
Brahma, em SP, onde estreou temporada de 16 shows na
semana passada, ele defende a tese: o capitalismo
absorveu os métodos do fascismo para vender cultura
de massa. Está preocupado. "Como é que um nazista
homofóbico [Dourado] vence o Big Brother [reality
show da TV Globo]? Que sociedade é essa?
As raízes de um holocausto permanecem latentes." Torceu
pela vitória de Dicesar, mas acha que o grande
vencedor dessa edição do programa global foi
Serginho. "É o único que vai trilhar carreira de
artista. É uma figura talentosa, amorosa, carinhosa,
querida."
No palco do Brahma, na esquina da avenida Ipiranga com a
avenida São João ("comia muita salsicha por aqui com
a minha primeira namorada"), o mesmo que abriga
velhos e até então esquecidos ícones como Cauby
Peixoto e Demônios da Garôa, o cantor espera
reencontrar, nos shows às quartas-feiras, os seus
fãs mais antigos e fiéis. "Eu estava com o público
errado. Fazia shows em casas grandes, como o antigo
Palace [atual Citibank Hall], em que os ingressos
custam pra cima de R$ 100. A grã-finada que tem esse
dinheiro vai ver Coldplay, não o Guilherme Arantes."
Na temporada atual, que vai até julho, os ingressos
custam R$ 60.
"Outro dia, o [cantor de rap] Mano Brown me falou:
"Os pobres amam você, mano! Cê nunca foi engomadinho
de Ipanema, do Leblon. Cê é o cara que não tinha
medo de sentimento. A gente te ama".
Há dez anos, foi convidado para ser executivo de
gravadora. Não topou. "Tem gente que não serve pra
ser do mundo corporativo. Eu sou um livre atirador."
Montou seu próprio estúdio, o Coacho do Sapo, na
Bahia. "Sempre que eu cantava "Pedacinhos", o
[senador] ACM chorava. Era a música preferida do
filho dele [Luís Eduardo Magalhães, morto em 1998].
Ele deve chorar até hoje, não sei se lá em cima ou
se lá embaixo". Guilherme vive em Salvador desde
2000.
"A Bahia tinha uma tradição de ser o lugar gerador
de transgressão estética. Não só na música como no
cinema, em outras áreas. Mas a transgressão baiana
saiu do cérebro e foi pro sexo. O baiano aceitou um
papel atribuído pelo sudeste. Topou ser o bobo da
corte da playboyzada, que vai pra lá beijar na boca.
Ficou rasteiro."
Wanessa Camargo devia fazer um disco country, opina. "Mas
os filhos do agronegócio só querem cantar em inglês,
esse é o problema. É uma molecada da burguesia, da
qual fazem parte Sandy e Junior, Wanessa e todos
esses filhos dos sertanejos. Os pais não têm
problema nenhum de serem jecas porque vendem a
jequice. Mas os filhos querem ser americanos."
"Eu ia nos shows dos Titãs e só via homem de preto
gritando "ô, ô". Pensava: "Hitler Venceu?"
Sempre que eu cantava "Pedacinhos", o ACM chorava.
Em seu estúdio, deve gravar um trabalho dos sumidos
Antonio Carlos e Jocafi. A base instrumental do CD
vai ficar por conta do cantor revelação Marcelo
Jeneci e dos também novatos Curumin e Gustavo Ruiz.
"Queria virar estrategista da música, um cara que
faz a diferença, que propõe o novo nesse mercado em
ruínas."
Os olhos ficam molhados pela primeira vez quando fala em
Jeneci, que considera "meu primeiro sucessor". Estão
compondo uma música em dupla. "A gente só teve uma
primeira reunião, mas passamos mais tempo chorando
do que qualquer coisa. Eu me vi com a idade dele,
lembrei dos meus 20 anos. Foi muito forte."
Aos 56 anos, os fios na cabeça parecem ainda mais
ralos para quem tem na memória a cabeleira que ele
ostentava nos anos 80. "Usei o cabelo enquanto teve.
Devia ter cortado no auge, marcaria um estilo. Eu
era lindíssimo. Não só fiz músicas lindas, mas era
um cara lindo."
Guilherme Arantes está no terceiro casamento. Tem
cinco filhos. "Nunca assumi a persona do pegador.
Era um cara chorão, emotivo." Namorou Elis Regina,
para quem compôs o hit "Aprendendo a Jogar".
"Adoro essas confusões, são coisas que mexem com a
tua vida. Minha paixão por Rita Lee também foi
assim. Estive ali no começo dos anos 90, ela estava
separada do Roberto [de Carvalho]. Mas logo me
afastei, eles voltaram. Têm uma relação karmica,
anterior a essa vida. Resolvi ser solidário a ambos
e me afastei naturalmente."
Diz ter mais "orgulho" das mulheres que "me deram
oportunidade, mas eu não peguei." Uma das últimas,
ele diz, foi a inglesa Lisa Stansfield. "Saltei
fora. Essas divas são um perigo, mexem com a nossa
vaidade. É como ter uma Ferrari. Você se sente o
super-homem, mas a manutenção é cara."
Compôs, com Nelson Motta, "Marina no Ar" para Marina
Lima. "Quem pegou ela foi o Nelsinho, que também
adora uma encrenca. Em 1979, na praia, ela deitou na
canga e tirou a parte de cima do biquíni. Meu
organismo de paulistano bobão deu resposta imediata.
Pediu pra eu passar óleo de coco nas costas dela.
Fiquei num estado... Mas não avancei. Tinha certeza
que ia dar na trave."
Outro dia, o Mano Brow me falou: " Os pobres amam
você, mano!"
Eu era lindíssimo, não só fiz músicas lindas, mas
era um cara lindo
"Lotus", seu último CD, vendeu pouco. "Hoje, sem
jabá, até Ana Carolina venderia como eu." Mas, diz,
cantoras como Vanessa da Mata e Adriana Calcanhoto
gostam de suas canções. "Eu tô virando cult". Maria
Bethânia pediu a Guilherme uma música inédita. Ele
demorou, e "Eu em Você", a tal canção, ficou de fora
do último disco dela. "Como Bethânia, de quase 70
anos, falaria de amor? Fiquei somando todos os
amores da minha vida para tentar entender, e por
isso demorei." Bethânia gravou a música depois, e
ela pode entrar numa novela. "Se eu conseguir
emplacar outro sucesso na voz dela, sou capaz até de
chorar."
A
lista de 21 hits que ele canta em duas horas de
show, acompanhado pelo público; antes de entrar no
palco; come frutas; operando pedal de efeitos
sonoros e à procura de eletrônicos no centro